Mais do que preciosismo inútil quanto ao termo que melhor representa o trabalho do professor, precisamos sim definir com mais clareza o papel desse profissional diante do desenho social que a economia vem traçando.
Ensinar (in sign are) talvez represente boa parte dos professores que atuam basicamente apresentando conteúdos mas a multiplicação de padronizações e métodos se não impede que atuem como facilitadores na aquisição de conceitos, no mínimo dificulta essa atividade. Muitos, apesar disso, preferem o título de educadores. Educador é o que cria, alimenta – o pai- e os professores se afastam velozmente desse papel! Educo é criar, amamentar, fazer sair.
Dar forma também não é o papel dos professores de hoje, se pensarmos que formarnão significa apenas a conclusão do curso.
Antes da universalização da escola os pais criavam os filhos, no sentido mais pobre do termo, e os ensinavam com o seu exemplo. Funcionava, já que o exemplo vale mais que mil palavras diante de tarefas razoavelmente complexas e exemplificáveis. Os pais formavam os filhos à sua imagem e semelhança e os educavam, ao menos em conformidade com suas crenças e convicções.
A universalização do ensino trouxe ares novos à civilização mesmo que demandada pela industrialização que exigia conhecimentos que os pais não possuíam. A escola, através dos professores, transmitiam esses conhecimentos – os conteúdos – mas serviam ainda como modelo e exemplo a ser seguido. Dessa forma as crianças recebiam algo mais que conteúdo: obtinham também algo do in signo e do educo.
Nossa sociedade tem, hoje, um grande número de pais que não são capazes de formar nem educar os filhos, pelo simples fato de não terem sido educados e, além disso, sua realidade social internalizada é distorcida pela formação que (não) receberam!
Um segundo grupo de pais, não tão numeroso, desdobra-se para (ambos) compor o orçamento doméstico de forma a suprir as duas das grandes demandas familiares: o seguro saúde e a escola dos filhos. De forma não consciente o esforço despendido para manter os filhos em boas escolas pressupõe que a escola os formará, educará, além de ensiná-los. Com o passar dos anos os mais atentos vão notando um sabor amargo ao perceber que a escola está sim transmitindo conteúdos, mas a educação não ocorre na medida do esperado. Há também uma ambivalência de sentimentos desses pais em relação à escola: ao mesmo tempo em que eles esperam essa educação, conscientemente não desejam abrir mão do seu papel de criar os filhos. Os professores sentem isso claramente não só nas reuniões de pais e mestres, mas também em eventuais contatos não programados.
O resultado de pais sem condições de educar, de pais que dirigem toda sua energia para a obtenção de recursos econômicos para a criação dos filhos, mesclados com professores que não professam, apenas respondem às exigências empregatícias, gera formação deficiente.
Se essa deficiência fosse aquela encontrada nos resultados do ENEM, não seria tão dramática. A deficiência é muito mais ampla. É a que vemos na guerra nos morros do Rio de Janeiro e nas suas extensões em todo o país; na cada vez mais sofisticada forma de assaltos, seqüestros e na amplitude da barbárie ao se queimar vivos os assaltados ou no arrasto da criança, presa ao carro pelo cinto de segurança.
Se discordamos que no princípio era o verbo, pois na questão da formação no princípio era a convivência e o exemplo, o verbo (ou a linguagem – discípulo – discere) é o instrumento sine qua non da civilização. É através da linguagem, principalmente exercitada pelo estímulo e esperança dos professores, que a mente ganha vôos mais abstratos e substantivos. Através do exercício da decodificação das letras, das palavras e, depois, conceitos, é que construímos não só pensamentos mais elaborados e podemos estabelecer a importância que terá em nossa vida, por exemplo, o hedonismo. Através dela construímos vínculos que se expandem além daqueles emocionais básicos da família de origem. Através dela não só conhecemos mais o mundo mas conseguimos senti-lo e traduzi-lo para a nossa forma de ser. Com ela construímos nossos valores e decidimos matar ou não nossos pais para antecipar a herança.
Muitos pais não têm competência para esse nível de formação; os que têm, não têm disponibilidade. Concluímos então que essa é a tarefa do professor.
Naturalmente boa parte dos professores é capaz de oferecer essa ampliação de horizontes mas não está conseguindo realizá-la.
É hora de estabelecer a parceria pais-professores para que a educação possa novamente acontecer.
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